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domingo, 23 de setembro de 2007

Moral e Emoções



"Todos sabemos, a partir do que sentimos em relação a nós mesmos e dentro de nós, que nossos atos conscientes emanam de nossos desejos e temores. A intuição nos diz que isso se aplica também a nossos semelhantes e aos animais superiores. Todos tentamos evitar a dor e a morte, ao mesmo tempo que buscamos o que é agradável. Somos todos governados, no que fazemos, por impulsos; e estes se organizam de tal modo que nossas ações servem, em geral, à nossa própria preservação e à de espécie. Fome, amor, dor, medo são algumas dessas forças internas que comandam o instinto individual de autoconservação. Ao mesmo tempo, como seres sociais, somos movidos, nas relações com nossos semelhantes, por sentimentos como simpatia, orgulho, ódio, necessidade de poder, pidedade, e assim por diante. Todos esses impulsos primários, de difícil descrição em palavras, são as molas dos atos humanos. Toda essa ação cessaria se essas poderaos forças primárias deixassem de se agitar dentro de nós.
Embora nossa conduta pareça muito diferente da dos animais superiore, os instintos primários são muito semelhantes neles e em nós. A diferença mais evidente resulta do importante papel desempenhado no homem por um poder de imaginação relativamente intenso e pela capacidade de pensar, auxilada como é pela linguagem e outros instrumentos simbólicos. O pensamento é, no homem, o fator organizador interposto entre os instintos primários causais e as ações resultantes. Desse modo, a imaginação e a inteligência participam de nossa existência no papel de servas dos instintos primários. Sua intervenção, contudo, faz com que nossos atos atendam cada vez menos à meras exigências imediatas de nossos instintos. Através delas, o instinto primários liga-se a fins que se tornam cada vez mais distantes. Os instintos põem o pensamento em ação e o pensamento provoca ações intermediárias, inspiradas por emoções igualmente relacionadas com a meta final. Por força da repetição, esse processo faz com que as idéias e crenças adquiram e conservem grande eficácia, mesmo depois de os fins que lhes deram essa força estarem há muito esquecidos. Nos casos anormais em que essas fortes emoções tomadas de empréstimo aferram-se a objetos esvaziados de seus antigos significados próprios, falamos de fetichismo.
O processo que indiquei, no entanto, desempenha um papel muito importante também na vida comum. De fato, não dúvida de que é a esse processo - que podemos descrever como uma espiritualização das emoções e do pensamento - que o homem deve os mais sutis e refinados prazeres de que é capz: o prazer diante da beleza da criação artística e dos encadeamentos lógicos do pensamento.
Até onde posso ver, uma consideração se impõe no limiar de todo ensinamento moral. Se os homens, como indivíduos, cedem ao apelo de seus instintos básicos, evitando a dor e buscando satisfação apenas para si próprios, o resultado para todo o seu conjunto é, forçosamente, um estado de insegurança, medo e sofrimento geral. Se, além disso, eles usam sua inteligência numa perspectiva individualista, isto é, egoísta, baseando suas vidas na ilusão de uma existência feliz e descompromissada, as coisas dificilmente podem melhorar. Em comparação com os outros instintos e impulsos primários, as emoções do amor, da piedade e da amizade são fracas e limitadas demais para conduzir a sociedade humana a uma condição tolerável.
[...]
A verdadeira dificuldade, aquela que tem desconcertado os sábios de todas as épocas, é antes a seguinte: como tornar nossos ensinamentos fortes o bastante, na vida emocional do homem, para que sua influência resista à pressão das forças psíquicas básicas do indivíduo? Não sabemos, é claro, se os sábios do passado realmente se formularam essa pergunta, conscientemente e nesses termos; mas sabemos o quanto se empenharam em resolver o problema.
[...]
Nem é preciso dizer que vemos com satisfação que a religião busca lutar pela realização do princípio moral. O imperativo moral, no entanto, não é algo que interesse apenas à igreja ou à religião, mas o mais precioso bem tradicional de toda a humanidade. Consideremos, desse ponto de vista, a posiçaõ da imprensa, ou das escolas, com seu método competitivo! Tudo é dominado pelo culto à eficiência e ao sucesso, e não pelo valor das coisas e dos homens no tocante aos fins morais da sociedade humana. A isto é preciso acrescentar a deterioração moral que resulta de uma luta econômica implacável. No entanto, o cultivo deliberado do senso moral também fora da esfera religiosa, deveria contribuir igualmente para isto: para levar os homens a considerar que os problemas sociais nada são que oportunidades para um trabalho prazenteiro por uma vida melhor. Pois, encarada do mero ponto de vista humanos, a conduta moral não significa apenas uma rígida exigência de renúncia a algumas das almejadas alegrias da vida, mas sobretudo um interesse solidários numa melhor sorte para todos os homens.
[...]
Há uma outra decorrência dessa concepção: não só devemos tolerar as diferenças entre indivíduos e entre grupos, como devemos de fato aceitá-las com satisfação e considerá-las enriquecedoras de nossa existência. Essa é a essência de toda tolerância verdadeira; sem tolerância neste sentido mais amplo, não se pode falar de verdadeira moralidade.
A moralidade, no sentido aqui brevemente indicado, não é um sistema fixo e inflexível. É antes um ponto de vista a partir do qual todas as questões que surgem da vida podem e devem ser julgadas. É uma tarefa nunca acabada, algo sempre presente para guiar nosso julgamento e inspirar nossa conduta. Acaso se pode conceber que algum homem verdadeiramente imbuído desse ideal fique satisfeito:
- se receber de seus semelhantes um mairo retorno em bens e serviços do que a maioria dos outros homens jamais recebeu?
- se seu país, por sentir-se neste momento militarmente seguro, se mantiver alheio à aspiração de se criar um sistema supranacional de segurança e justiça?
Pode ele contemplar passivamente, ou até com indiferença, o fato de, em outra parte do mundo, haver pessoas inocentes sendo brutalmente perseguidas, privadas de seus direitos ou até massacradas?
Formular estas perguntas é respondê-las!"
(Moral e emoções, do livro: Escritos da Maturidade - Albert Einstein)

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